O firmamento/ desabamento no silêncio

O silêncio tem múltiplos significados dependendo da cultura ou do contexto em que é vivido. 

É importante ressaltar que nossa pesquisa não é binária, presa em opostos que se contradizem e geram padrões de contrastes programados. 

Queremos convidar a sua imaginação, como propõe Saflate a :  

“manter-se disponível para o que ainda não existe”.

Escolhemos como metáfora deste processo, o compasso sugerido por Lygia Clark em sua obra Caminhando , na qual utiliza uma fita de Möbius como suporte.

O desafio, como você vai perceber, é de que a fita continua infinitamente, sem nunca se quebrar ou terminar e algo nela nunca está “dentro ou fora”, apenas segue em frente num cambaleante equilíbrio.

Vivemos uma crise epistêmica e ficar no silêncio é ir de encontro ao desafio de encontrar outras formas de ser. Pusemos a mesa para dialogar com oito mulheres artistas. 

E você, se fizesse um banquete que mulheres convidaria ?

Queremos escutar as suas dores, euforias, pertencimentos e deslocamentos. 

Como estes desafios fecundaram em seu interior criativo? De que maneira estas provocações, descompassos e inquietudes reverberam em nós até hoje ? 

Estas conversas são o chão da nossa próxima Residência criativa, um solo poroso e fértil.

A primeira vereda escolhida é a do silêncio como um encontro contemplativo, um canto para vivências íntimas, potência que firma e afirma nossa presença no mundo.

A palavra "silêncio" pode significar simplesmente a ausência de som, mas também envolve calma e introspecção.  Pode ter uma conotação de respeito, na cultura Zulu, da África do Sul, a palavra "ukuthula" significa silêncio, mas também tem uma conotação de paz e harmonia.

No hinduísmo e no budismo, o termo "mauna" representa o silêncio e é frequentemente praticado como uma forma de disciplina espiritual. Esse silêncio voluntário é visto como um caminho para a autoconsciência e para a transcendência do ego. 

Nas culturas Guarani, do Brasil e Paraguai, o silêncio é visto como um espaço de conexão com o espírito e com a natureza, um momento de ouvir a "palavra do vento" ou as "vozes dos ancestrais". Esse silêncio não é a ausência, mas uma presença espiritual que os conecta com o mundo natural e o mundo espiritual.

Em chinês, o caractere 静 ("jìng") representa silêncio e tranquilidade. 

No contexto da filosofia taoísta, o silêncio está associado ao "wu wei" (não-ação) e a ideia de que a calma e a quietude interna podem revelar a verdadeira essência das coisas. 

O silêncio, assim, é visto como um meio de alcançar uma compreensão mais profunda do mundo.

Esta serenidade é uma escuta.

A segunda vereda da nossa pesquisa é a do entendimento do silêncio como colisão ou estranhamento, a  consequência desta experiência pode ser de um fechamento e/ou abertura ao outro. É a conflagração de uma crise que provoca um  desabamento da nossa capacidade de nomear.

Como fala Riobaldo no Grande Sertão Veredas :

"Muita coisa importante falta nome "

Este silêncio conta de uma incomunicabilidade sentida, gera uma perplexidade com a situação vivida ou a recusa dos sentidos e explicações conhecidas .

Este silêncio é uma reelaboração da própria linguagem, um reconhecimento dos sentidos ausentes, podendo levar a confecção de novos alfabetos.

Há muitas vezes nesta experiência, num primeiro momento, um sentimento de desilusão e frustração que pode amortecer nossas expectativas ou ao contrário, abrir caminhos que em nossa obstinação dogmática não conseguíamos perceber.

Esta dissonância sentida ressoa como um abalo sísmico no nosso teto de certezas, convocando refazimentos sutis da nossa matriz de saberes. 

Uma resposta cedo demais é ruim pois não aprofunda a raiz da crise que o causou e por vezes, simplesmente não há respostas e isto é bom.

É preciso dar um tempo para matutar e maturar o acontecido, reavaliando contextos e sentimentos, redesenhando vínculos e relações.

Ficar com o problema como recomenda Donna Haraway, sem desespero e nem esperança. Rememorar não é só integrar, mas é redesenhar todo um campo de sentidos, não é recognição e sim reconhecimento, abrir-se para encontros inesperados e cultivar respons-habilidades em copresença.

Esta ebulição é uma transformação de si e do campo de relações no mundo.

Convidamos você para esta jornada através de um silêncio interior meditativo, que carinhosamente nomeamos de SIM, oito mulheres artistas que em suas infinitas pesquisas e experimentações conversam e ousam outros modos de ser. 

Elas desvelam potencialidades no fazer artístico, com tradições e contradições, momentos de contemplação e embates em contexturas vividas e imaginadas.   

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Cenografia : o processo criativo de J.C. Serroni