Escuta não oracular
Você certamente já ouviu falar no mito de Édipo e na profecia do seu destino trágico. Muitas vezes por hábitos e repetições de narrativas dramáticas, configuramos caminhos pré-determinados, não pela falta de veredas mas pela nossa cegueira ou negação aos novos caminhos que se apresentam.
Wilfred Bion em seu atendimento clínico entendeu a força destes circuitos sem saída nos quais, nos tornamos reféns do que chamou de uma "hipótese definitória", uma auto-limitação que desenhamos na realidade.
Mesmo a nostalgia e a antecipação têm que ser trazidas para o presente; é no presente que temos aqueles desejos, é no presente que temos aquelas lembranças, é no presente que vivemos. Assim, enquanto estamos pensando no passado e no futuro, estamos cegos e surdos para o que está se passando no momento presente. Acho que Freud tinha algo dessa natureza em mente quando se referiu à ‘atenção flutuante’
Esta atenção flutuante ou a disposição para dissolver estes mitos que temos sobre nós mesmos ou sobre nossas possibilidades, são fundamentais nos processos criativos. Criar pede uma imersão em experiências que desafiam nossos pressupostos conceituais, uma experimentação e abertura ao desconhecido.
Stela Barbieri fala de um "estado de ateliê" :
"O estado de ateliê, quando fecunda, traz algo tenro dessa atenção aberta e um tanto dispersa que conecta pela presença. São como poemas ou o gosto de uma fruta no ponto, ou ainda um delicioso beijo. Catalisam tanta vida num momento"
Vejo este "tenro" trazido por Stela, como o brotar de um novo e o encantamento vai além da beleza e ternura do fato revelado. Nasce também ali, naquele gesto, poema, foto, palavra... uma potência de ser que muitas desmancha um oráculo, uma profecia que foi por muitos anos repetida como impedimento.
Processos criativos são escutas polifônicas de si, do outro, das matérias tocadas e sentidas, do ambiente, de estados afetivos, dos sonhos e silêncios que nem ousamos partilhar.
Permita o silêncio do agora, sua amplidão e frescor, deixe os julgamentos e medos lá fora e dê boas vindas a sua presença.