Mira Schendel : ecos do silêncio visual
Em 1969, Mira apresentou na 10* Bienal Internacional de São Paulo a instalação: Ondas paradas de probabilidade .
Este trabalho consistia em muitíssimos fios de náilon pendentes do teto ao chão no amplo espaço da sala de exposição. Estes fios foram cortados um pouco mais longos que o pé direito da sala e atados a três telas metálicas de 200 x 200 cm cada uma. Posteriormente, essas telas foram fixadas ao teto numa distância aproximada de cinquenta centímetros entre si, formando um triângulo irregular.
Um trecho bíblico, escrito numa placa de acrílico também pendente do teto, descreve o momento em que o profeta Elias, após haver comido do pão e bebido da água que lhe trouxera um anjo do Senhor e vagar durante quarenta dias e noites pelo deserto, adentra na caverna do monte Horeb na esperança de encontrar-se com Deus. Ele presencia fortes ventos, incêndios e terremotos, mas não sente a presença de Deus nesses fenômenos.
“E depois do fogo, o sussurrar de um sopro tênue. Então, ouvindo-o, Elias velou o rosto com o manto, saiu e postou-se à entrada da caverna. Uma voz dirigiu-se a ele: Porque estás aqui, Elias?”
Segundo anotações em seu diário, Mira teria tentado com este trabalho apresentara “visibilidade” do invisível. Por meio de uma ação encenada num contexto espacial, ela transformava a atmosfera da sala de exposições num momento bíblico. Sua instalação na época usava-se o termo ambiente , metamorfoseava o silêncio em espaço-pensamento.
Com este trabalho da Bienal que busca “sussurrar do invisível, Mira talvez inicie uma fase de maior silêncio. A artista explica que: esta experiência tende ao a-racional, além do irracional e do racional. Escutar também o silêncio. E que nosso sofrimento é fruto da ignorância. Ela escreve:
"Que em espaço e tempo não é alienável.
Pois em espaço e tempo, não somos livres.
Pois o “eu”(embora sua soberania seja indispensável nesta vida) é limitação.
Todo nosso esforço de perfeição em espaço e tempo é ilusão.
Não aceitação do relativo. Esta é uma ponte.
Temos que atravessá-la. Hindurch [através]. Não fugir dela, não morar nela.
No relativo, esta é nossa liberdade. Dizer sim e não.
Amar e não atar-se, ter prazer (se possível).
Sem “perder” aqui nosso “coração”. “ser lealmente DESTE mundo. E não ser deste mundo.
Com amor e alegria e também o inevitável sofrimento com devoção e sem ilusões."
Mira Schendel explorou o conceito de "silêncio visual" em trabalhos que buscavam o essencial, reduzindo a forma ao mínimo necessário para criar significado.
Esses trabalhos muitas vezes desafiam a interpretação imediata, convidando o observador a meditar sobre o que não está explicitamente mostrado.
O silêncio aqui não é apenas ausência, mas uma presença que ecoa.
Schendel foi influenciada pela filosofia de Ludwig Wittgenstein, especialmente sua ideia de que os limites da linguagem são também os limites do nosso mundo.
Para ela, o "silêncio visual" representava uma abertura para o indizível, o transcendente — aquilo que está além das palavras, a artista registrou em seu diário
"Parece que Wittgenstein antes de morrer escreveu que é simples. Passou bem sua vida como o monge zen passou bem seu verão: comendo quando comia, dormindo quando dormia e passeando quando passeava.
A complexidade não precisa virar complicação.
O rio é o rio. O rio não é o rio. O rio é o rio "
Percebemos que para Schendel, o silêncio não era ausência, mas uma presença carregada de significado. Suas obras, como as monotipias e objetos gráficos, exploravam a linguagem de forma fragmentada, muitas vezes apresentando palavras que parecem dissolver-se no espaço.
O espaço vazio em suas obras, especialmente em suas monotipias e trabalhos sobre papel japonês, cria um equilíbrio delicado entre o visível e o invisível. Esses vazios tornam-se parte ativa da composição, permitindo que a ausência dialogue com a presença.
Schendel utilizava materiais frágeis, como o papel arroz, para intensificar a leveza e a imaterialidade, elementos essenciais ao "silêncio visual" e sua fragilidade repleta de possibilidades.
Vilém Flusser, amigo e crítico de sua obra, os dois se conheceram em São Paulo nos idos dos anos 70, escolhe a palavra diafaneidade para explicar a pesquisa da artista:
"a diafaneidade é uma temporalização do espaço pela qual o espaço se evapora e o tempo desaparece, dando ambos lugar a uma interpenetração de estruturas. Isso significa que os termos “passado” e “futuro” passam a denotar aspectos do presente.”
A busca de simplesmente estar presente num silêncio que é.